Áureo de Mello Júnior, representante da União Brasileira de Escritores, em relação à implementação do português em Macau
“Portugal podia ter feito mais”

Áureo de Mello Júnior veio a Macau falar do desenvolvimento do Brasil no pós-golpe militar, dos 10 anos que levou a estabilizar a economia e dos subsequentes progressos, amanhã, numa conferência no Instituo Internacional de Macau (IIM), pelas 18h30. Ao HM, o representante da União Brasileira de Escritores acredita que Portugal podia ter feito melhor no que se refere à implementação da língua portuguesa no território
Vai estar no IIM para falar da “História Económica do Brasil e Perspectivas de Desenvolvimento Social”. Qual é ainda a margem de evolução deste mercado emergente?O Brasil está em franca evolução não só na parte económica mas sobretudo socialmente porque o principal objectivo do Governo – Partido dos Trabalhadores (PT) – é justamente fazer com que a indústria e o comércio se beneficiem através de uma política social que faz com que as pessoas tenham mais condições de consumo. Portanto, a projecção para o social permite que o nível de vida das pessoas melhore, o que faz a economia crescer e aquecer.
Nesse sentido, acha que tem havido mais oportunidades de qualificação dos recursos humanos?
Uma das maiores preocupações do Governo Federal, e até de governos estaduais, é justamente a qualificação profissional. No Brasil, antigamente, cerca de 20% da população estudantil conseguia terminar o curso universitário porque mais de 90% das universidades são privadas e cerca de 8% públicas. E o custo nas privadas era muito alto. A partir da presidência de Lula [da Silva] foi criado um decreto em que todas as universidades privadas têm a obrigação de oferecer 10% de vagas a estudantes que não têm condições de pagar estudos no privado. O índice de estudantes que podem fazer uma faculdade gratuitamente no Brasil é muito alto. Além disso, a nossa presidente, Dilma Rousseff, também lançou um programa chamado FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), que permite a qualquer estudante aceder a uma rede bancária, pública ou privada, que lhe paga integralmente o curso universitário – seja engenharia, medicina ou outro qualquer curso – que será pago quando o estudante integra o mercado de trabalho. Ou seja, quando já estão empregado, descontam-lhe 30% (e não mais) do valor no salário.
Últimas informações dão conta de que há um acordo de comércio livre a ser formado entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE). Alguns analistas defendem que se o Brasil, através do MERCOSUL, não se mexer depressa para formar um pacto com a UE, corre o risco de ficar isolado no cenário comercial mundial. Como vê isto?
O mercado, independentemente de qualquer situação, é muito especulativo. Por exemplo, no caso do mercado financeiro existe uma tendência de ganhar muito por força das especulações. Não acontece absolutamente nada. Mas os especuladores dizem que o Governo está para lançar alguma coisa e nada acontece. E isto tem a ver com interesses para que o mercado cresça ou desça. Mas o Brasil sempre foi um grande espectador. Continua a ser. Independentemente de acordos bilaterais ou unilaterais, continua a crescer. Até porque, por exemplo, o Brasil fechou recentemente um acordo bilionário com os EUA, com a venda do etanol, que é um projecto brasileiro, que começou no final dos anos 70 com a crise mundial do petróleo. Hoje exporta etanol em larga escala por causa das suas reservas. E as reservas cambiais do Brasil estão bem acima da dívida externa, o que torna a situação económica do país bastante tranquila.
O Financial Times referiu que o Brasil perde atractividade para investidores estrangeiros, que escolhem antes outras economias sul-americanas. Concorda?
Não concordo. O Brasil, inclusive, pelo facto de no próximo ano sediar o Campeonato do Mundo e em 2016 os Jogos Olímpicos, está a receber uma grande quantidade de investimento estrangeiro. Há 10 anos, o Brasil era uma promessa. Era a oitava economia do mundo. Hoje é a sexta economia do mundo. Em matéria da América do Sul, o Brasil sem dúvida nenhuma tem quase 50% [de peso económico], a Argentina, que é o segundo maior país, tem uma participação no MERCOSUL ínfima comparativamente com o Brasil, que participa quase em 80%.
Quais são as expectativas com estes dois eventos mundiais? Acredita que haverá maior retorno financeiro?
As obras que têm sido realizadas, não só em estádios mas também nos transportes, na rede hoteleira, nas estradas, nos aeroportos e outras áreas, para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos deram emprego para milhões de trabalhadores. Entre os dois eventos, ainda virão mais recursos e, hoje, o Brasil é um país que está a crescer bastante sobretudo em infra-estruturas.
E a nível de desenvolvimento social?
Há cerca de ano e meio, dois anos, o Governo Federal, através de parcerias com governos estaduais – lembro-me especificamente do Rio de Janeiro, que tinha o maior problema de incidência com droga e violência – criou o programa das UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Paralelamente, foi feito um mega projecto e a UPP invadiu as favelas, acabando praticamente com o tráfico, através de uma acção muito intensa.
Que resultados? Os números são, de facto, reais e visíveis?
Isto é uma realidade. Quando o Governo do PT entrou para a presidência, o mercado financeiro passou por uma crise porque todos tinham receio que se mudasse completamente a economia do Brasil, mas não se mexeu no que estava a dar frutos na economia. De igual modo, também deu subsídios para o desenvolvimento social porque uma coisa é beneficiar a indústria e comércio e outra coisa é criar condições de ambos crescerem através de um desenvolvimento social. E, para se ter uma ideia, 36% saiu da classe média baixa e atingiu a classe média. E 11% saíram da linha da miséria e atingiram a classe média baixa. As duas classes onde se registaram evoluções maiores.
Num perspectiva de relações internacionais, há hoje maior interesse na língua portuguesa porque o Brasil, enquanto economia efervescente, abre o mercado aos estrangeiros?
Na Ásia – não só na China, como no Vietname, na Coreia do Sul e por aí – existe um interesse da língua portuguesa, principalmente por interesses comerciais. Muitos estudantes são formados em universidades e, através de intercâmbios, estudam a língua portuguesa. Isso tem crescido muito.
Nota que isso favorece acordos bilaterais e trocas comerciais, nomeadamente, com a China?
Sem dúvida, tem acontecido muito. Pode dizer-se que no BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – o índice de exportação mais do que duplicou a partir do início desta iniciativa dos chamados países emergentes, em 2002, até 2010/2011.
E a nível do Fórum Macau. O Brasil tem ganho alguma coisa com esta cooperação de 10 anos?
Sem dúvida nenhuma. O bloco do BRICS – onde se insere Brasil e a China – é o grupo económico mais activo no mercado de hoje. É só ver a evolução do PIB, não só do Brasil como da China, da Rússia, da Índia, e isso faz com que a competitividade em relação ao mercado comum europeu e aos EUA cresça. Isso é muito salutar porque quem acaba a ganhar é a própria população, com o seu consumo diário. Além disso, é preciso analisar outras questões económicas como, por exemplo, os países que mais enfrentaram a recente crise são, justamente, os da Zona Euro e os EUA. Os países do BRICS praticamente não sofreram, o que solidifica mais a condição actual de uma economia bastante emergente.
Há aqui uma vontade também na ajuda ao desenvolvimento africano, nomeadamente, a países cujo português é língua oficial?
Tem tido evolução e muito intercâmbio, não só de trabalho mas também ao nível estudantil. Existem hoje no Brasil muitas universidades privadas, como a UNIP – Universidade de São Paulo e a UNINOVE, que têm muitos acordos com universidades de diversos países do mundo. Então, esse intercâmbio cultural e universitário também ajuda no profissional.
É a terceira vez que visita o território. Como vê esta história de 500 anos entre portugueses e chineses através de Macau? Ao nível do português, podia ter tido a Administração portuguesa uma atitude mais agressiva na implementação do idioma?
Sou, por assim dizer, um divulgador da lusofonia e da língua portuguesa, que é a quinta língua mais falada no mundo. Acho que Portugal podia ter feito mais em relação a Macau. Uma vez que, por exemplo, em África, metade fala francês e a outra metade inglês, mesmo já depois da descolonização. E em Hong Kong também toda a gente fala inglês fluentemente. Isso poderia também ter acontecido em Macau.
Relativamente ao Acordo Ortográfico (AO), qual a sua posição?
Sinceramente, não vejo muita diferença. Uma uniformização da língua, tudo bem. Não é isso que vai fazer com que os países modifiquem as suas políticas mas, ao nível da educação acho positivo porque, por exemplo, quando falamos de intercâmbios isso favorece. A língua portuguesa é das que tem mais acentuação gráfica e a muitas palavras foi tirada a acentuação.
São, portanto, os outros países que se adaptam mais à grafia utilizada no Brasil. Isto favorece o mercado editorial?
No meu modo de entender, não tem influência nenhuma.
Por outro lado, acha que o AO poderá mexer com a raiz linguística de cada país?
Sim. Por exemplo: o inglês que se fala na Inglaterra é completamente diferente do que se fala nos EUA. Ao nível dos meios de comunicação, se ouvirmos a BBC e a CNN, parece que estamos a ouvir diferentes idiomas.
Doação de livros leva Mello Júnior à EPM Áureo de Mello Júnior é detentor do título de “persona mundi”, com o objectivo de divulgar “a língua portuguesa na variante brasileira” e mostrar o “novo Brasil”, que é uma pátria – “a segunda nação de todo o mundo” – porque, entre as duas grandes guerras, pessoas do mundo inteiro foram para o Brasil. “Hoje existem, inclusivamente, cidadãos de mais de 160 nacionalidades neste país da América Latina”, explica Mello Júnior. O académico, que lecciona História na Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo, diz ter já feito viagens a 40 países, a partir de 1994, nos quais também fez algumas doações de livros, de diferentes autores brasileiros, em instituições de ensino. “Levo a cultura brasileira através de livros. Para Macau e, especificamente para a Escola Portuguesa de Macau (EPM), trouxe 50 livros de literatura brasileira – Jorge Amado, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, Machado de Assis, José de Alencar e outros – para mostrar a riqueza da língua portuguesa no Brasil”, diz o também escritor. A doação decorre amanhã, pelas 15 horas, na EPM. |
SOURCE WEBSITE http://hojemacau.com.mo/?p=62699 |
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